História que moldou gerações

Mauri Spengler/AG

37 anos após administrar uma das maiores fábricas de calçados do país, Ernani Reuter revela memórias e mudanças

Por Giordanna Vallejos

Era o dia 12 de outubro de 1986. O jornal A Gazeta estava circulando nas bancas da cidade. Na manchete de capa, uma homenagem aos 51 anos da fábrica de calçados Reichert. A empresa, na época, era a maior e uma das mais tradicionais exportadoras de calçados do país. Na página 8, uma raridade jornalística: uma entrevista exclusiva com o diretor do Reichert, Ernani Reuter, em plena atividade, aos seus 52 anos. A matéria aborda as mudanças que ele viveu, desde os cálculos à mão, até a chegada do computador.

Avançando 37 anos no tempo, Ernani segue como diretor do Reichert. No entanto, a fábrica de calçados não existe mais. Apenas permanece a lembrança de toda a sua trajetória, que marcou a história de Campo Bom, do Jornal A Gazeta e de diversas pessoas. Em sua casa, com a melodia do som de seus diversos pássaros e a tranquilidade de seus 89 anos, Ernani fala pausadamente, mas com uma riqueza de detalhes e memória impecável, enquanto relembra o passado com riqueza de detalhes e o conecta com o presente.

Início da história no calçado

“Comecei a trabalhar no calçado quando tinha 17 anos. Minha trajetória começou na expedição. Depois auxiliei no escritório; uns anos depois passei a ser diretor do Reichert, posição que ocupo até hoje. Carlos e eu assumimos juntos. Quando eu trabalhava no escritório, nós tínhamos trinta funcionários; eu sabia o nome e o número de cada um. Tivemos a coragem de ir aumentando o prédio. No começo, só tinha o cavalete, onde ia o sapato em cima e levava 30 dias para chegar ao fim. Depois chegaram as esteiras e levava dois dias para o calçado ficar pronto. Nessa época chegamos a ter nove mil funcionários”.

Do mercado interno para liderança em exportação

“Trabalhávamos apenas para o mercado interno, que apresentava dificuldades. Depois nos fixamos totalmente no mercado dos Estados Unidos e começamos as negociações com a Europa. Quando eles começaram a ter dificuldades com a indústria do calçado, deram espaço para o Brasil. Hoje tudo mudou novamente; são os asiáticos que estão exportando, enquanto o Brasil importa sapatos”.

Do papel ao smartphone

“Quando comecei a trabalhar no escritório, todas as contas eram feitas no papel e com caneta. Depois chegou a facit, que não imprimia nada; se esquecia ou trocava alguma coisa, estava perdido. Lembro quando foi lançada a primeira máquina de somar, com uma alavanca que puxava. Depois de algum tempo, veio a calculadora elétrica, que era enorme, mas não era grande coisa. Após isso, veio o computador. Os computadores eram uns armários grandes, que ficavam na parede e pareciam com esses arquivos de aço. Era a IBM que estava instalando. Decidimos comprar, chegamos à conclusão de que poderia não dar certo, mas iríamos aprender algo com isso. E assim foi evoluindo até hoje. Depois veio o computador de mesa e hoje tudo está na palma da mão, no celular”.

Reichert e o calçado na atualidade

“Comecei na empresa em 1950 e permaneço até hoje. Hoje só temos agropecuária no Mato Grosso do Sul; saímos dos outros ramos em que participávamos. Considero o calçado um bom ramo ainda hoje. Sempre digo que enquanto houver homens e mulheres, ainda se usarão sapatos. É um ramo que não dá para abandonar. Para trabalhar no mercado interno, é preciso achar o nicho, aquilo que o consumidor quer. A moda também influencia muito. Quando entra a moda da bota, por exemplo, até no verão as pessoas usam botas. É bom também porque a indústria de calçados emprega muitas pessoas”.

Participação ativa na sociedade

“Sou natural de Sapiranga e depois vim para Campo Bom. Comecei muito cedo a participar de serviço comunitário; fiz parte do grupo emancipacionista da cidade, da fundação da Feevale. Na Fiergs, fui distinguido com mérito industrial. Nesse meio tempo, participei do sindicato, da ABI calçados, da ACI, da Federação das Indústrias; fui fundador do Lions e vice-presidente do 15 de novembro. Na festa do sapato, já fui presidente. Com relação à caridade, auxílio à Fundação Semear e, aqui em Campo Bom, a Igreja Católica. Procuro fazer muita caridade no anonimato. Fiz muita política nos bastidores. Acho que quem pode, deve colaborar”.

Reflexões de uma vida

“Tenho 89 anos e estou contente por ter chegado a essa idade. Acho que cumpri minha missão; eu estava muito envolvido, viajava muito e não ficava em casa. Fiz o que deveria fazer e o que poderia fazer. Sei que em situações em que tive coragem, hoje eu não teria mais. Consigo trabalhar com as energias que tenho, não com as que eu gostaria de ter. Hoje em dia, gosto de participar de algumas reuniões”.

LEIA A REPORTAGEM DE 1986

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