Mais de 300 moradores precisaram deixar suas casas na enchente histórica que atingiu Campo Bom

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A maior precipitação em 38 anos mostrou a solidariedade e a união da comunidade campo-bonense

Por Giordanna Vallejos

Pessoas vão e voltam dos seus trabalhos de retroescavadeira. Para sair de suas casas-ilhas, elas precisam pular na água gelada, que chega próxima a cintura, com correnteza, e subir na concha do transporte diferenciado. Em meio a água turva, é quase impossível diferenciar o que é o Rio dos Sinos e o que é a rua. Enquanto a retroescavadeira anda pelo bairro Barrinha, na tarde de segunda-feira, alguns moradores acenam, pedem carona, e outros gritam por água potável.

No bairro ribeirinho, a grande maioria das casas e pequenos comércios foram invadidos pela enchente, causando danos imensuráveis. Entradas foram barradas com o que havia à disposição: tábuas de madeira, sacos de cimento, plásticos e entre outros objetos na tentativa de amenizar os impactos da chuva. “Comecei na segunda-feira à tarde a trabalhar aqui. Desde o horário que eu cheguei, não parei de levar e buscar pessoas”, disse Felipe Blos, operador de máquinas.

Apesar de toda a tragédia, a quantidade de pessoas que chegavam para ajudar, tanto da administração pública quanto da comunidade, trazendo cestas básicas, produtos de higiene e limpeza, roupas, brinquedos e água, era fascinante. A perda foi grande, mas a ajuda foi na mesma proporção: mostrando a solidariedade do povo campo-bonense. Nessa matéria exclusiva do Jornal A Gazeta, relembre os diversos aspectos da enchente proporcionada pelo ciclone extratropical.

Proporções históricas

Os números da enchente são assustadores. De acordo com o Coordenador da Defesa Civil, Paulo Silveira, as chuvas deixaram 3.200 afetados no município de Campo Bom. Além disso, foram 270 desalojados, ou seja, pessoas que precisaram sair de suas casas e ir ficar em vizinhos, amigos e parentes, 96 desabrigados, que não tinham para onde ir e precisaram recorrer ao Ginásio Municipal e a Igreja do bairro Vila Rica, e 260 casas que foram inundadas. “Tem pessoas dessas casas inundadas que preferiram ficar nas residências, mesmo com a água no meio das canelas, para evitar roubos. Tivemos todas as ruas alagadas no bairro Bairrinha. Também foram fortemente afetados os bairros Porto Blos, Vila Rica, 25 de julho e Operária”, disse ele.

16 de junho de 2023

O dia 16 de junho de 2023, foi uma sexta-feira que entrou para a história do Rio Grande do Sul. O volume acumulado de chuva foi o maior registrado no Estado, para o mês de junho, desde 1961. Em Campo Bom, ocorreu a maior precipitação dos últimos 38 anos, de acordo com Nilson Pedro Wolf, encarregado da Estação de Meteorologia. O total de chuva atingiu impressionantes 301,6mm em um período de 24 horas, superando a média mensal de 141,2 mm.

Além disso, a cidade enfrentou a maior cheia desde 2015, quando o Rio dos Sinos atingiu 7,72 metros da régua da Ponte da Barrinha. No domingo, 18, o nível chegou a 7,60 metros e afetou principalmente os bairros próximos às margens, com ocorrência de enchentes e o consequente alagamento de várias ruas nos bairros Barrinha, Porto Blos, Vila Rica, Operária e 25 de Julho.

Diante da situação, muitas pessoas tiveram suas residências invadidas pelas águas. Em resposta, o prefeito Luciano Orsi anunciou que o Ginásio Municipal estaria disponível para abrigar os desabrigados. A solidariedade da comunidade campo-bonense foi imediata, resultando em doações significativas que chegaram ao local.

Escolas afetadas

Em consequência da chuva, as aulas foram suspensas temporariamente nas escolas Princesinha e Princesa Isabel, na Barrinha, e Presidente Vargas, na Operária. A Defesa Civil e a Prefeitura trabalharam incansavelmente para auxiliar os afetados, incluindo o transporte dos trabalhadores ilhados na segunda-feira.

A dor de perder tudo: desabrigados no Ginásio Municipal

“Nunca aconteceu de perder tudo, dessa vez eu não estava preparada. Eu moro há 46 anos lá. Dessa vez, entrou mais água do que em 2013 e não deu tempo de salvar nada. Foi feia a coisa, começou a vir a água de madrugada e só subiu. Tivemos que ser resgatados de retroescavadeira. Saímos só com a roupa do corpo” – Suzana Gonçalves de Oliveira, moradora do bairro Barrinha.

“A gente já não tinha quase nada, e agora foi tudo que a gente tinha com a água. Não deu tempo de salvar. Foi uma tristeza, a gente veio chorando para cá”. – Ariana Monteiro dos Santos, moradora do bairro Barrinha.

“A gente leva uma vida para conseguir as coisas, daí em dois toques, perde tudo” – Ana Gabriela Monteiro, moradora do bairro Barrinha.

“Nós chegamos aqui no começo, só estava o pessoal organizando o abrigo. Só temos que agradecer por ter esse espaço, ganhamos café da manhã, almoço, janta, tudo”. – Adriano Monteiro, morador do bairro Barrinha.

Tragédia em Maquiné

A Cidade de Maquiné foi palco de uma tragédia avassaladora na última quinta-feira. Christoph Schmeling, morador de Campo Bom, precisou enfrentar a dolorosa realidade de perder sua mãe, Agnes Schmeling, sua irmã, também Agnes Schmeling, e seu cunhado, Almir Marques Portela Lopes, para as águas da enchente. Em uma entrevista exclusiva, Christoph compartilhou os tristes detalhes do evento que abalou sua família.

A propriedade da família Schmeling, com mais de 100 hectares, havia sido adquirida com o propósito de preservar a natureza. No entanto, a casa construída no local também servia como residência de lazer para o casal e abrigava os pais de Christoph. Desde a morte de seu pai no ano passado, a irmã de Christoph, seu cunhado e sua mãe se tornaram os únicos moradores da casa.

Por volta das 21h de quinta-feira, a intensidade da chuva desencadeou uma avalanche de terras e rochas que atingiu o morro acima da residência. A força do impacto foi suficiente para deslocar as fundações da estrutura de dois pavimentos, que acabou desabando sobre os três residentes. As mortes foram instantâneas, os poupando de qualquer sofrimento.

Um legado de amor e solidariedade

Christoph descobriu que sua irmã, além de ter sido uma professora de música renomada no Instituto Federal, deixou um legado impressionante na região, onde dedicava seu tempo a programas sociais e projetos educativos relacionados à música, auxiliando crianças e adultos das comunidades mais carentes. Em vez de flores, a família solicitou que os amigos e conhecidos levassem alimentos não perecíveis ao velório, que foram destinados à comunidade de Maquiné, local onde Agnes dedicava seu trabalho voluntário. Graças à generosidade das pessoas, foram arrecadados 581 kg de alimentos. Mesmo em meio a tristeza, a família conseguiu honrar a memória dos entes queridos, e em especial, a irmã Agnes, ajudando a comunidade carente na qual ela atuava em vida.

Christoph não hesitou em expressar sua gratidão aos bombeiros, que trabalharam incansavelmente, mesmo com risco de deslizamentos. Ele também destacou a atuação da prefeitura, que prontamente disponibilizou maquinário e ofereceu todo o suporte necessário. Além disso, o governador e o vice-governador do Estado estiveram presentes no local, mostrando seu apoio à comunidade em luto.

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