À primeira vista ele parece só mais um cão de rua, mas não se engane. Negão, um vira-lata peludo, dócil e brincalhão, leva uma vida dupla. Conhecido em Campo Bom, onde tem rotina tranquila como cão comunitário, ele possui há cerca de três anos “coleira assinada”, como vigilante, e é sócio minoritário em loja de roupas.
O ilustre campo-bonense, de 16 anos faz sucesso nas redes sociais. No Facebook, por exemplo, acumula 5 mil amigos que acompanham sua rotina através de postagens da sua “assessora pessoal”, Rafaela Vieira. A gerente de vendas de forma bem-humorada e com muitos vídeos e memes popularizou o fiel escudeiro. “Incialmente criei o perfil em outubro do ano passado para divulgar que o Negão havia sumido. Mas em menos de três dias já haviam mais de três mil solicitações de amizade. Sem falar nas curtidas e compartilhamentos das fotos”, relembrou Rafaela.
O vigilante nem tão vigilante assim
Todos os dias há três anos ele caminha doze quadras até o Centro para assumir os postos de trabalho. A rotina teve início em 2017, quando Negão conheceu a gerente de vendas. “Nos conhecemos quando me mudei para um prédio próximo a atual residência dele. No início ele me acompanhava por duas quadras. Até que um dia me seguiu até a loja”, relembra. Aos poucos Negão foi ganhando o coração das funcionárias do estabelecimento e de pessoas que circulam pelo Centro do município que não deixam faltar ração e água fresca. “Montamos um cantinho para ele na entrada da loja. Compramos uma caminha e manta, para que não sentisse frio durante o inverno, mas o que ele gosta mesmo são os bichinhos de pelúcia, o Ted e o Costinha”.
Mas apesar de toda fama e cuidado que recebe pelas ruas de Campo Bom, o cusco, sempre dono do próprio focinho, escolheu seus tutores. A casa para onde volta de segunda a sexta-feira após o expediente é da autônoma Elisete Kirsch,56, e do funcionário público Vanderlei Jorge Dietrich (Vital),54. “Colocava água e comida, mas até então ele não entrava no nosso pátio. Foi quando, há três anos em um certo domingo ficamos surpresos ao ver que ele entrou, muito depressivo, e deitou-se ao nosso lado. Demos-lhe água, comida e muito carinho. Ele ficou aquela noite, pela manhã pediu pra sair. Ficou dois dias fora, depois voltou. E assim ele fazia até que resolveu ficar definitivo, só que pela manhã ele saía e voltava às 18h. Ficamos acompanhando o trajeto dele até que descobrimos que ele permanecia em frente a uma loja durante o dia todo, como se fosse vigia do local”, relembra Elisete.
Estava formada a rede de apoio de Negão, que preserva sua independência, mas sempre volta para casa no final do dia. “Ele possui algo que não sei explicar. Até então eu não tinha visto nada parecido. Ele tem o dom de aproximar as pessoas. Procuramos dar a ele uma boa qualidade de vida, com amor e carinho. O amamos muito e esse amor é recíproco”, afirma a autônoma.
Vai a pé, de carona ou de taxi
No final de 2019 Negão foi diagnosticado com a síndrome da cauda equina, bastante comum em cães idosos e se refere a uma compressão das vértebras na parte final da coluna, próximo ao rabo, que causa dificuldade de andar. Embora a doença limite a locomoção do cusco, ele não falta ao trabalho, onde bate o cartão às 8h20min. Antes mesmo da loja abrir. “Ele sempre chega cedo e fica rosnando se me atraso. Como se estivesse me xingando”, releva Rafaela.
Para evitar que ele fique se arrastando pelas ruas da cidade, os “pais”, Elisete e Vital o levam de carro todos os dias antes do início do expediente e no final da tarde amigos o buscam ou dois taxistas se revezam para leva-lo para casa. “É meu amigo, vem “conversando” o trajeto todo, como se estivesse me contando como foi seu dia de trabalho. E ele já sabe, quando vê me carro já levanta e vem na minha direção. Sabe que está na hora de ir para casa”, comenta o taxista João Chaves, 58.
De acordo com Chaves até a clientela aumentou junto com a popularidade do amigo de quatro patas. “Eu gosto de animais e o Negão é diferente. Ele entende, olha nos olhos das pessoas. E agora quando as pessoas me ligam perguntam se sou o motorista do Negão”.
Festa de Aniversário
Em 2020 Negão completa 17 anos, e para comemorar os amigos humanos estão organizando uma grande festa e ocorrerá no dia 26 de julho, Dia dos Avós. “Como não sabemos o dia exato escolhemos a data porque ele é um vovô e queremos fazer uma ação para vovôs e vovós dos asilos de Campo Bom’, comenta Rafaela.
Os cartões para participar da festa, que serão comercializados à R$ 5,00, darão direito à dois cachorros- quente, um copo de refrigerante e quatro docinhos. “Vamos estar arrecadando doações de produtos de higiene e fraldas geriátricas que serão destinados às casas de idosos”.