Quebrar os limites e ampliar a inclusão de pessoas com mobilidade reduzida no esporte movem o Projeto Trilhas Para Todos que pretende integrar crianças e adultos que são cadeirantes ao grupo Extraviados pelo Mundo, proporcionando aos participantes a emoção de ‘caminhar’ através das pernas de outras pessoas.
O grupo criado em 2018 reúne adeptos da caminhada da Região Metropolitana de Porto Alegre, Vale do Sinos, Vale do Caí e Encosta da Serra. Um dos membros do grupo, o engenheiro Regis Miguel Ligocki, 68, teve a ideia deste processo de inclusão que foi abraçado pelos companheiros de esporte. “Comecei a ver outros projetos de inclusão de pessoas com deficiência, especialmente aqueles onde essas pessoas eram levadas a participar de trajetos em trilhas, até mesmo em montanhas. A partir daí, eu pensei que poderia fazer eu mesmo uma cadeira semelhante às que eu via em vídeos no You Tube”, revelou Ligocki.
Para tirar a ideia do papel o morador de Sapucaia do Sul deu início a pesquisa de como desenvolver a cadeira de baixo custo reutilizando materiais que ele tinha em casa mesmo. “Há muitos anos me dedico ao trabalho artesanal com o ferro, fazendo pequenos móveis e peças decorativas, então tenho habilidade, conhecimento e equipamento para trabalhar com isto. Assim, lancei a mim mesmo o desafio de desenvolver e fabricar a cadeira”, explica, mas o dinheiro ainda era curto e o engenheiro buscou outras alternativas para arrecadar a verba necessária para desenvolver o projeto. “A primeira intenção era promover caminhadas para angariar fundos. Mas, quando estava em um período de voluntariado na Floresta Nacional de São Francisco de Paula, em fevereiro passado, surgiu uma nova ideia. Fazíamos a marcação das trilhas dentro da mata, usando o símbolo do Caminho das Araucárias, que é uma pegada com a marca de uma pata de felino em seu interior. Eu e os outros voluntários começamos a pintar aquela marca em nossas mochilas e jaquetas, e então pensei: todo caminhante certamente gostará de usar este símbolo em sua mochila. Voltando para casa, desenvolvi o acessório que se tornou a fonte de receita para tornar a cadeira possível”.
O acessório começou a ser comercializado entre os amantes de caminhadas e trilhas. “Hoje tenho a satisfação de ver , em todas as caminhadas, muitas mochilas com estas pecinhas dependuradas nelas”, revela.
O teste drive
A moradora de Campo Bom, Rosa Bernadete Rodrigues de 43 anos, portadora de paralisia cerebral foi a primeira pessoa a testar a cadeira de rodas adaptada. O convite para Rosa ser a “piloto de testes” do projeto foi feito através de sua irmã, Elisabete Rodrigues, que participa do grupo de caminhadas há cerca de quatro meses. “Quando perguntei à Elisabete, se a Rosa aceitaria ser nossa piloto, a resposta foi: ela vai adorar! Eu me preparei então para viver um momento de grande emoção, não só pela minha alegria em finalmente colocar a cadeira à prova, mas principalmente pela reação que esperávamos da Rosa. E foi realmente muito emocionante! Me tocou profundamente”.
O teste aconteceu no dia 6 de setembro em Campo Bom e o resultado surpreendeu a todos. Com isso algumas sensações como o vento no rosto, liberdade e felicidade fizeram parte de todo o trajeto percorrido. “Amei, amei”, dizia Rosa após o percurso. “Eu sempre tento fazer a vida da Rosa ser o mais normal possível, e levo ela comigo em todo lugar que vou, tudo o que eu faço tento fazer com ela também, mas nas trilhas pensei que seria quase impossível, foi por acaso que encontrei esse grupo e nem imaginava que o Regis tinha esse projeto. Adorei a ideia e a Rosa mais ainda”, revelou Elisabete, irmã de Rosa.
A cadeira ainda está em fase de testes e aperfeiçoamento, mas traz esperança para quem depende de uma cadeira de rodas para se locomover. Agora, se inicia uma nova etapa do trabalho. O grupo pretende formar uma equipe de voluntários condutores da cadeira e promover caminhadas inclusivas. “Isto é que vai coroar todo o esforço feito até agora. Quero fazer uma caminhada inicial com cada um dos grupos que colaboraram no projeto, para mostrar que é possível haver essa inclusão. A cadeira vai ficar à disposição desses grupos, de Novo Hamburgo, São Leopoldo, Ivoti, Porto Alegre, para que cada um deles possa agendar caminhadas inclusivas. Tenho a esperança de que isso provoque mais campanhas de arrecadação de recursos, e que mais cadeiras precisem ser fabricadas. Acho que só plantei uma semente”, finalizou o idealizador do projeto.
A caminhada inaugural vai acontecer em Picada Café, no início de outubro, com um trajeto de aproximadamente 12km.