Longe de casa, imigrantes buscam qualificação para se reinserirem no mercado de trabalho

Quase 200 anos depois da chegada dos primeiros imigrantes alemães, a região que preserva com orgulho a memória dos seus antepassados segue acolhendo quem deixa seu país de origem em busca de uma vida melhor. Hoje são famílias haitianas que chegam todas as semanas à Campo Bom e encontraram no município um grupo de voluntários dispostos a colaborar para o recomeço da nova vida no Brasil.

Há cerca de quatro meses, um grupo de amigos deu início a um projeto que oferece aulas de português, corte e costura e artesanato para estrangeiros. A ação é voluntária, e as atividades são gratuitas.

Conhecimento compartilhado

A ideia surgiu a partir de uma inquietação de Marcia Ferreira Bueno, ao receber diariamente na Igreja Batista Independente de Campo Bom imigrantes à procura de emprego e de uma vida mais digna. “Há cerca de três anos atendemos as pessoas que chegam do Haiti, com doações de cestas básicas, material escolar, mas, isso não estava suprindo realmente a necessidade deles. E como a língua ainda é uma grande barreira a ser ultrapassada em conversa com membros da igreja surgiu a ideia que prontamente foi abraçada por todos”, revelou Marcia, coordenadora do projeto.

Coincidências à parte, através de amigos a professora aposentada de Língua Portuguesa Isabel Demboski , moradora de Novo Hamburgo ficou sabendo do projeto e se voluntariou para dar o pontapé inicial na inciativa. Hoje, cerca de 40 pessoas frequentam às aulas todos os sábados das 14hs às 17hs na sede da igreja.

Se a língua pode ser a primeira barreira para um imigrante, a saudade e a distância da família são as barreiras incontornáveis e fundamentais para o recomeço em um novo país. Para alguns imigrantes que chegam em terras campo-bonenses, a aposentada oferece uma calorosa e transformadora ajuda para amenizar essas duas questões: além de dar aulas voluntárias de português, Isabel indica aos alunos outros cursos, acompanha em entrevistas de emprego ou simplesmente oferece um ombro amigo em momentos difíceis. “A gente se dá conta de que o mundo todo é uma grande família porque quando a gente tá junto não há diferença e eles só querem uma oportunidade”, garante Isabel.

Por ser formada em português e ter conhecimento em francês, a voluntária está conseguindo ajudar os que precisam aprender rapidamente a nova língua. “O que eu não sei, pesquiso na internet”, explica. Uma das pesquisas mais difíceis para a professora foi sobre uma das línguas naturais faladas por quase toda a população do Haiti, o crioulo haitiano, também conhecido como créole. “Estou aprendo através de vídeos no YouTube, e os alunos me ajudam também na pronúncia”, revela.

Recomeço

O Rio Grande do Sul abriga hoje cerca de oito mil haitianos, segundo levantamento de uma associação que acolhe imigrantes no estado. Kesnel Altina, 37 faz parte do grupo.

Em Campo Bom desde 2015, o haitiano encontrou apoio de muita gente para superar os desafios de ser um imigrante. Além do acolhimento dos compatriotas já instalados, foi importante o trabalho de voluntários da entidade. “Sou grato ao Brasil e às pessoas que acreditam na minha capacidade”, afirma Altina. Acadêmico de Engenharia Agronômica no Haiti, Kesnel atualmente está desempregado.

“Para conseguir um trabalho melhor, é preciso dominar o idioma. Esse é o primeiro desafio”, avalia o universitário que só conseguiu oportunidades como encanador e eletricista.

Antes professor de Ensino Superior o engenheiro agrônomo que fala quatro idiomas (inglês, francês, espanhol e crioulo) Frank Louis,31, teve que se contentar com uma vaga de faxineiro em um restaurante como primeiro emprego. As dificuldades para se adaptar ao novo trabalho e à língua portuguesa só não eram maiores que a saudade da família. “Fui muito bem recebido em Campo Bom, o que desejo agora é encontrar um emprego de carteira assinada para conseguir trazer minha família pra cá”, revela.

A maioria dos participantes do curso de português possui qualificação profissional, são técnicos de enfermagem e informática, mecânicos de moto, cabeleireiras, músicos e engenheiros agrônomos.

Desemprego que atinge a 90% dos imigrantes

Apesar das dificuldades encontradas para se recolocarem no mercado de trabalho, retornar ao país caribenho, devastado por um terremoto em 2010 e que tem Índice de Desenvolvimento Humano (renda, educação e saúde) de 0,483, um dos mais baixos do mundo, não é uma opção. “Não quero voltar. Eu gosto de Campo Bom. Aqui a gente fala que as coisas estão difíceis, mas lá é pior. Não tem nada para fazer. Não tem lugar para procurar. Aqui não estamos achando, mas, pelo menos, estamos procurando. Lá não tem lugar nem para procurar”, disse o mecânico de motos Gasner Mentor, 40, que está há três anos no município campo-bonense.

Relatos como o de Gasner, Frank e Kesnel são comuns, afirma a coordenadora da inciativa que acompanha a situação dos haitianos. “Cerca de 90% das pessoas que nos procuram estão desempregadas. O que elas querem é conseguir dinheiro para mandar para o Haiti. A maioria deixa família, deixa filhos e vem”, disse.

Doações de material escolar e alimentos

Para tentar ajudar a reverter essa situação os voluntários deram início ao projeto piloto de qualificação. “Esse projeto pretende dar empoderamento a essas pessoas para que, mesmo sem trabalho formal, possam desenvolver atividades e gerar renda”, disse Marcia.

O AG acompanhou uma aula na sede da Igreja Batista Independente, a ideia é que a formação seja feita de forma continuada, mas as próximas turmas vão depender da colaboração de parceiros. A entidade precisa de doações de materiais escolares (cadernos, lápis e canetas) e alimentos, que são doados para os imigrantes desempregados. As doações podem ser feitas na sede da Igreja (Av. São Leopoldo, 1730, bairro Celeste).

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