“Farra das diárias” vai ouvir 30 envolvidos entre denunciados e testemunhas

Era uma segunda-feira, 20 de agosto de 2007. A cidade foi sacudida e a Câmara de Vereadores foi literalmente “invadida” por uma equipe da Força Tarefa do Ministério Público, coordenada pelo promotor Flavio Duarte, da Promotoria Especializada Criminal do Ministério Público do Estado com o apoio da Policia Rodoviária Federal, Técnicos de Informática do Ministério Público, Tribunal de Contas e promotoras de justiça da cidade. Estavam cumprindo mandado de busca e apreensão em razão de inúmeras irregularidades cometidas por alguns vereadores, funcionários, empresas de turismo e empresas organizadoras de congressos. Era uma grande operação que posteriormente ficou conhecida no estado e no país como a “Farra das Diárias”. A cobertura do Jornal A Gazeta, à época, destinou, em uma mesma edição, quatro páginas de matérias exclusivas, entrevistando todos os envolvidos no escândalo. Tão logo foi deflagrada a operação, vários movimentos populares ocorreram na cidade com manifestações de repúdio, especialmente quando os envolvidos tiveram que ser ouvidos no fórum local, atraindo a imprensa da região, do estado e de parte do país. De lá para cá o processo já tem mais de quatro mil páginas e mais de 600 movimentações.Um mês após o ocorrido, o promotor Flávio Duarte deu a investigação por concluída, reuniu a imprensa e anunciou a relação de todos os denunciados. Dos 10 vereadores que compunham o Legislativo em 2007, apenas os vereadores Jair Reinheimer e José Sadi dos Santos do MDB e Victor de Souza do PCdoB, não estavam entre os envolvidos. Os vereadores denunciados foram: Alexandre Hoffmeister, Francisco dos Santos Silva, Joceli Fragoso, José Alfredo Orth, Marlene Bett, Milton Wust e Nelson Moraes. Além dos sete vereadores também foram denunciados 13 assessores e servidores da Câmara e ainda cinco empresários. “Não creio que este processo vá terminar em pizza, se isto ocorrer será uma grande decepção, mas creio que ela vai sair é torrada”, sentenciou o promotor Flávio Duarte aos órgãos de imprensa.Os denunciados e as testemunhas começarão a ser ouvidos a partir da próxima terça-feira, dia 02 de julho em Campo Bom e em datas diferentes nos outros municípios como Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo, Sapiranga, Tramandaí, São Leopoldo e, por último, em 12 de agosto em Santana do Livramento. Todos os residentes em outras cidades fora de Campo Bom serão ouvidos pelo sistema de videoconferência.

Ministério Público corre contra data de prescrição dos crimes

A morosidade dos tramites jurídicos da tão falada “Farra das Diárias” de Campo Bom, desmascarada em 20 de agosto de 2007, chega aos 12 anos cercada de incertezas e impunidades. Neste tempo houveram dezenas de protestos da comunidade, que pediam a cassação e a condenação dos envolvidos. Mas parece que o barulho das ruas não sensibilizou a justiça que andou a passos lentos. Conforme a Promotora de Justiça, Dra. Letícia Elsner Pacheco de Sá, o Ministério Público está correndo contra o tempo para garantir que os acusados não saiam impunes. “Na última analise feita pelo MP, no final de 2018 nenhum dos crimes havia prescrito, ou seja, ainda estava passivo de condenação. Mas como já se passaram seis meses não temos certeza se alguns já prescreveram”, comentou a Promotora.Letícia lembra ainda que a investigação do Ministério Público foi instaurada com a intenção de apurar o desvio de verbas públicas realizado pela quadrilha formada por empresários e vereadores, criada com a intenção de desviar recursos públicos em proveito próprio, especialmente com a obtenção de diárias indevidas. A operação contou com o apoio dos técnicos de informática do Ministério Público e de agentes da Polícia Rodoviária Federal. Foram cumpridos quatro mandados de busca e apreensão, um deles em Tramandaí e três em Campo Bom (um na Câmara de Vereadores e dois em agências de turismo). “Foi uma grande operação, evolvendo muitas pessoas entre réus e testemunhas, tudo isso tornou o processo demorado, mas acreditamos que a partir do próximo dia dois, com o início dos depoimentos, finalmente poderemos dar continuidade no processo”, finalizou.

O Jornal A Gazeta ouviu com exclusividade a juíza do caso a Dra. Flávia Maciel Pinheiro Giora, da 2ª Vara Cível de Campo Bom

A Gazeta: É voz corrente que o processo vai dar em nada em razão de já ter prescrito. O que tens a dizer sobre esta alegação?
Dra. Flavia Maciel Pinheiro Giroa: Os prazos de prescrição das ações de improbidade administrativa estão previstos no art. 23 da Lei 8.429/1992, que determina que o ajuizamento da ação judicial que busca a aplicação das penalidades decorrentes da prática do ato improbo deve ocorrer até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança. No caso do processo das “Diárias dos Vereadores”, muito embora a ação de improbidade administrativa tenha sido ajuizada no ano de 2007, os fatos relatados pelo Ministério Público teriam, em tese, ocorrido nos anos de 2006 e 2007. Assim, a Promotora de Justiça que ajuizou a ação agiu de forma célere, garantindo que os fatos fossem esclarecidos em juízo, como de fato estão sendo. É importante esclarecer, ainda, que a jurisprudência dos Tribunais Superiores não reconhece a ocorrência de prescrição intercorrente nas ações de improbidade administrativa, de modo que a ação ajuizada tempestivamente não pode ser prejudicada pela decretação de prescrição em razão da demora atribuível aos serviços judiciários.Ademais, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as ações judiciais de ressarcimento do erário público são imprescritíveis e, portanto, o prejuízo financeiro apurado poderá ser buscado a qualquer tempo por ação judicial.Sendo assim, embora os anos tenham se passado, desde o ano de 2007 o Ministério Público e o Poder Judiciário estão trabalhando para que a ação de improbidade administrativa tenha seu devido andamento.

AG: Quantas pessoas serão ouvidas entre vereadores, funcionários, representantes de empresas envolvidas e testemunhas?
Dra. Flavia Maciel Pinheiro Giroa: Serão ouvidas, aproximadamente, trinta pessoas.

AG: Soubemos que algumas audiências serão realizadas através do sistema de vídeo conferência. Isto já aconteceu antes em Campo Bom?
Dra. Flavia Maciel Pinheiro Giroa: Sim, as testemunhas que residem em outras cidades do Estado do Rio Grande do Sul serão ouvidas pelo sistema de videoconferência, que é um sistema parecido com “skype”, em que o julgador faz a inquirição da testemunha por uma chamada de vídeo. Tal sistema vem sendo utilizado nas Varas Criminal e nas Varas Cíveis de Campo Bom desde o ano passado com êxito.

AG: Já se passaram quase 12 anos do ocorrido. Qual a principal dificuldade encontrada para que o processo demore tanto para a sua conclusão?
Dra. Flavia Maciel Pinheiro Giroa: A maior dificuldade de concluir os processos de improbidade administrativa está na formatação do procedimento previsto na Lei 8.429/92, que prevê, no seu artigo 17, §7º, uma notificação prévia dos réus, que deve ser realizada antes da citação. No caso deste processo específico, tal dificuldade se soma à grande quantidade de réus que figuram no polo passivo da ação (vinte e cinco). Assim, para que a ação judicial tenha o procedimento adequado à Lei, todos os réus devem ser notificados para, então, apresentarem manifestação por escrito e, em seguida, ser decidido pelo Juízo se a ação de improbidade é rejeitada ou mantida. Somente depois de superada esta fase inicial é que são procedidas as citações dos réus e aberto o prazo de defesa, o que demora, pois, nesse meio tempo, as pessoas mudam de endereço, não são localizadas ou ocorrem outras intercorrências.

AG: Por se tratar de uma situação de praticamente um clamor popular, o que a justiça poderia acenar em termos de uma previsão para a conclusão de todo o processo?
Dra. Flavia Maciel Pinheiro Giroa: A fase de colheita das provas está em andamento e, no próximo dia dois, será realizada a primeira audiência de oitiva de testemunhas. A seguir, serão realizadas as audiências por videoconferência para oitiva das testemunhas residentes em outras cidades do Estado, bem como expedidas cartas para oitiva de testemunhas residentes em outros Estados da Federação. Portanto, diante da quantidade de testemunhas a serem ouvidas, sendo algumas residentes em outros Estados, bem como pela quantidade de fatos discutidos na referida ação de improbidade administrativa, não é possível dar uma previsão de término do processo. No entanto, ressalto que o objetivo do Poder Judiciário é de sempre conduzir o processo da forma mais célere possível dentro da estrutura disponível para a realização dos atos processuais.

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