Entre os tambores da fé: a Umbanda em Campo Bom

Angélica Spengler/AG

Descubra a riqueza espiritual da Umbanda, onde a fé transcende barreiras e preconceitos

No bairro 25 de Julho, onde os sinos da igreja se misturam ao som dos tambores, encontra-se a Casa do Reino Oxalá, um refúgio espiritual que há 26 anos vem quebrando paradigmas e acolhendo todos os que buscam luz e caridade. Nessa entrevista exclusiva, o Pai de Santo João Gomes nos conduz pelos mistérios da Umbanda, revelando a riqueza de uma religião que vai além das fronteiras.

O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, representa um chamado à reflexão profunda sobre a história e a contribuição dos negros na formação da sociedade brasileira. Entre diversos aspectos culturais, estão as regiões afro-brasileiras, como Candomblé e a Umbanda.

Antecessor da Umbanda, o Candomblé, trazido ao Brasil pelos negros escravizados, enfrentou proibições e repressões por ser erroneamente associado a práticas de bruxaria. A partir dessa perseguição, a estratégia adotada foi ocultar as divindades africanas sob a roupagem dos santos católicos, como forma de resistência cultural.

A Umbanda surgiu em 1908 revelando-se como uma fusão única de elementos do cristianismo, kardecismo, espiritismo, culturas indígenas e africanas. Os pretos-velhos, entidades veneradas nessa prática, personificam a sabedoria, amorosidade e compartilham relatos de suas experiências enquanto escravizados. Essa religião, intrinsecamente ligada à história do povo negro, promove uma abordagem não discriminatória e solidária, buscando a harmonia e a fraternidade entre diferentes etnias.

Apesar das perseguições iniciais, a Umbanda encontrou espaço e defensores no cenário brasileiro, destacando-se como uma expressão cultural rica e inclusiva. O Rio Grande do Sul, segundo o Senso de 2010 do IBGE, é o Estado com o maior número de pertencentes a religiões de matriz africana do país. No Sul, os Candomblecistas e Umbandistas representavam 0,65% da população, sendo a maior concentração desse grupo em todas as regiões do Brasil.

“Umbanda é uma religião Brasileira”

Entre os mistérios da Umbanda, a voz de Pai João Gomes ressoa, revelando uma fusão única de tradições. A Umbanda, como nos conta, é uma teia intricada de religiões que se entrelaçam, desde as linhas de preto velho até os índios e orixás. Uma celebração do Brasil, onde as fronteiras espirituais se dissolvem.

“Os Exus trazem a proteção e a mensagem”

Derrubando mitos e estigmas, Pai João esclarece o papel fundamental dos Exus na Umbanda. Longe de serem demônios, como muitos que não conhecem a religião afirmam, essas entidades são, para os praticantes da Umbanda, considerados guardiões e mensageiros que abrem caminhos e direcionam vidas. Além disso, a Umbanda não pratica sacrifícios e também é um local onde a busca espiritual não implica custos materiais.

“Umbanda é caridade, é luz”

A essência da Umbanda, conforme descrita pelo Pai de Santo, resplandece nos preceitos da caridade e da luz, sendo um convite à compaixão e solidariedade, onde a espiritualidade transcende as fronteiras religiosas, acolhendo a todos, independentemente da cor, crença ou origem. Dessa forma, a Umbanda se configura como uma religião que aceita as outras e acolhe todas as pessoas.

“Cada Axé tem uma intenção”

“O axé é a oferenda, o orixá recebe aquela energia e aceita. Quando despacho um axé nunca é perto de uma escola, perto de onde passam pessoas que não conhecem, acho desrespeito. E também sempre oriento para que os filhos da casa usem elementos da natureza, se for fazer um axé, usar uma folha de coqueiro, para não poluir o meio ambiente. Cada Axé tem uma intenção, a oferenda nada mais é do que um pedido para o orixá levar o seu pedido até Deus”, explica João.

“A Umbanda tem uma hierarquia de guias”

João destacou a importância do colar que ele utiliza, conhecido como “guia sete linhas”. Ele explicou que na Umbanda há uma hierarquia de guias e que, ao ingressar na religião, os iniciantes começam com uma guia até alcançarem as sete linhas. Quando estão prontos, recebem um colar verde com branco, indicando que estão aptos a liderar uma terreira. João Gomes ressaltou que as roupas brancas que eles utilizam simbolizam paz, pureza e limpeza, afastando energias negativas.

“Já passei preconceito sim”

Em um relato franco, João revela as barreiras enfrentadas, especialmente diante das autoridades. Uma denúncia sutil da persistência do preconceito, mesmo em terras que abrigam a diversidade espiritual. Apesar disso, ele relata que a situação está mudando.

Num relato íntimo, compartilha como sua própria família, com pastores e padres, compreende e respeita a diversidade de crenças. “A procura pela Umbanda se tornou maior, quebrando tabus de religião do diabo. Faz 26 anos que tenho casa de religião em Campo Bom e eu acredito que se tu dá o respeito, tu recebe respeito. Acho bonito da Umbanda que ela é uma religião que abraça todo mundo. Se tu é católico, se tu é evangélico, não interessa a cor, nada disso. Nessa religião, o que interessa é o teu coração e a tua fé”, conclui ele.

Onde encontrar

Quem quiser saber mais, pode entrar em contato com o Pai de Santo João Gomes, pelo telefone (51) 99371-7567.

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